«Florbela»: o filme falhado
Já alguma vez vos disse que a Florbela Espanca é a minha poetisa preferida...? Penso que não... Bem, digo agora! Tive um professor que a criticava porque dizia que "ela era uma exagerada" e que a escrita dela era "intensa demais". Segundo ele, fazia-lhe lembrar "o canto da Simone Oliveira que ameaçava enfartar a cada atuação". Como devem ter percebido a opinião dele sobre o assunto (tanto em relação à Florbela quanto à Simone) teve a mesma influência em mim como as cócegas de uma pena numa rocha... ou seja, nenhuma. Sobre a grande Simone de Oliveira falarei outro dia. Vou cingir-me à Florbela Espanca que nem poderia ser de outra forma, pois sofria de bipolaridade. Neste poema, temos um exemplo desta "inconstância":
Inconstância
Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!
Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a amar e a esquecer…
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando…
E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também… nem eu sei quando…
Aliás, grandes autores sofreram desta doença e todos eles foram "intensos". Também a maioria deles acabou como ela: morte por suicídio.
Mas a poetisa não escreveu só poemas que nos tocam. Ela foi também uma grande mulher, uma mulher "muito à frente" para o seu tempo e que preferiu passar por cima de convenções e esteriótipos da sociedade a deixar de viver a sua vida. Casou três vezes, estudou e escrevia, inclusivamente em jornais. Nos seus poemas abordou o tema do amor aludindo ao desejo feminino e à sensualidade.
Foi, portanto, um grande "balde de água fria" assistir ao filme. Em primeiro lugar, apresenta como factos situações completamente irreais (a relação com o seu irmão surge como quase incestuosa, aquele "salvamento" do seu pai, entre outros). Por outro lado, o retrato da nossa sociedade dos anos 20, mais parece típica dos anos 60 ou 70... Parece-me que se limitaram a embarcar no que a Agustina Bessa-Luís escreveu sobre ela... É pena... a Florbela reduzida ao corriqueiro... quando tudo nela foi transcendente.